Tuesday, June 20, 2006

Na maré

Tinha prancha pra surfar.
Lá tinha também grama que findava na areia.
Tinha um guarda-casa que só fazia dormir sono despreocupado em guardar, e nem sequer latia.
Gente, onda, biquini, picolé Rochinha, cadeira e canga.
As duas meninas e os dois.
Os quatro.
Cinco, com a praia.
Tinha cheiro de descanso e encontro com a diferença.
Era engraçado.
Foram 3 dias.
Incontáveis risadas e suspiros de vida leve.
Tinha sol, o vento soprava, areia era fria e as meninas confabulavam.
Todo mundo se mostrava, alguns se desencontravam.
Estrela tinha de sobra.
Cadente só quem olhou demais viu. Pedido todo mundo fez.
Um falou, o outro riu, o de cá calou e o quarto só olhou.
Os meninos surfaram.
As meninas se alongaram e caminharam. Também nadaram.
Peixe, suco e torta de paçoca.
Segunda-feira chegou.
Choveu na volta.
Acabou.
A cidade grande voltou.
E as meninas querem mais.
Agora dizem que vão trocar as asas por pranchas.
E haja onda!

A Maricota escreveu:


Em tempo
Ainda falta um tanto pra sessão começar, mas Manuela quer sair de casa porque faz um frio que não passa e ela sente que só andando um pouco e olhando tudo em volta pra sentir algum calor subindo pelas extremidades. Chama a rua, se espalha em ladeiras e assunta tudo com os dois olhos porque é isso que sabe fazer. Vigiar o entorno, engolir as pistas que os outros deixam caminho afora sem nem desconfiar que o mundo anda infestado daqueles que engolem vestígios de vidas alheias.

Mais um quarteirão e já avista o carrinho de pipoca meio tombado e ignorado porque nunca tem pipoca quente no momento exato. Fica ali de assombração na porta do cinema, um objeto de cena que, pra Manuela, nunca consegue dizer nada. Um carrinho mudo. Sem filas, uma boa ter chegado cedo, ela surrupia beijos e olhares dos cartazes promissores e escolhe algum que vai esquentar seus delírios por pelo menos duas horas dessa tarde - que continua fria.

Ainda falta um tanto pra sessão começar e por isso Manuela espia o saguão de ponta a ponta, sem espasmos de pressa – anda, pára, prefere sentar no canto para um café grande que vai dilatar sua pupila e fazer o pulso palpitar mais agoniado. Inspira. Ali atrás do balcão, uma mulher-bomboniére com cachos vermelhos emotivos e os braços arrepiados. Ela não vai assistir a nenhum filme. Mas vai continuar lançando cílios lambidos em cima do novo garçon, que desponta terno entre as mesas sem, claro, nem desconfiar que o mundo anda infestado daqueles que engolem vestígios de vidas alheias.

Do lado dela, um moço que espera com um copo inteiro de suco turvo pela frente e logo ali atrás, um par de amigas entediadas em escutar os dilemas uma da outra - mas os sorrisos são honrados. Manuela suspira. Porque o filme ainda nem começou.
Maria Lutterbach, a Maricota, aquela fofa.

Friday, June 09, 2006

Bateu, e voltou.

Acho que ele não entendeu nada, também pudera....
Como explicar arrependimento?
Melhor é previnir.
Deveria existir vacina contra vacilos.
Analgésico, pra curar ressaca moral.
Ai ai... um dia eu ainda faço uma plástica pra tirar de dentro do peito o tal do impulso!
Será que dá pra dividir no cartão?

Monday, June 05, 2006

Que gente é essa?

Na sexta, eu ouvi jazz em meio a livros e bons amigos.
No sábado, eu chorei quando o noivo entrou na igreja ao som de Beatles.
No domingo, eu vi adolescentes brigando como bichos em guerra por território. Antes fossem animais agindo por instinto. Não eram. Eram pessoas com maldade nos olhos, covardia no soco, deboche na instalação da desordem.
Na segunda, eu senti raiva dos homens.
Na terça, ainda não sei...
No próximo final de semana, não quero domingo.
Na vida afora, levo comigo o desejo de gente menos bicho.

Friday, June 02, 2006

Até que a morte nos encare

- Casa comigo?


- Eu caso. De vestido branco, com flores no cabelo, de coração acelerado, com as mãos tremendo.Caso. No meio de um campo aberto, com a lua cheia. Vou casar. Pra viver dois e ser um, pra ter vários, pra ver envelhecer, pra não deixar esse amor morrer, pra eu nunca ter que te esquecer... pra gente dançar muito, até a noite amanhecer.

Thursday, June 01, 2006

Gentrificado

Gentrificação: Processo de restauração e/ou melhoria de propriedade urbana deteriorada. Realizada pela classe média ou emergente. Geralmente resultando na remoção de população de baixa renda.

Resolve?

Barulho calado

Em meio ao ronco estonteante dos carros e das vozes frenéticas de milhares de ambulantes que compõe a música cotidiana daquela rua, ela se prendia no silêncio de si mesma. Parecia que todos os sentidos tinham se escondido atrás dessa angústia que fazia ela perder toda a curiosidade pelo mundo do lado de fora. Não via as cores do dia, não cheirava o perfume das pessoas, não sentia o frio que ventava no rosto. Só o silêncio pairava.

Pensou em entrar em um cinema qualquer e ver o primeiro filme da programação, que fosse de terror, que ela nunca gostou, sentia medo. Mas a intenção era calar aquele barulho de nada dentro do peito, era viver uma outra estória que não fosse a dela, tão sem emoção, sem trilha sonora, sem mocinho. O bandido existia, e foi ele quem roubou o final feliz. Passou... nenhum filme , por pior que fosse, valeria a pena ser visto por uma espectadora tão sem olhos.
E ela andava, perambulava pelas ruas sem rumo e sem vontade. Queria parar. Parar o tempo, parar a cabeça, parar os homens, parar a fita da vida e retrocedê-la, para deletar aquele dia. Viu que não podia, não era Deus. Ele nunca passaria imune por um cego moribundo apoiado em sua vareta na calçada, esperando ajuda para atravessar a avenida. Ela o fez, e nem viu. Um café. Com quem? Para que? Ela nem gostava de café, só o cheiro valia a pena mas, nem isso naquele dia.
O caminho de casa estava cada vez mais distante, não importava. Mais do que geograficamente perdida, a menina chorona estava num labirinto interno. E o silêncio insistia dolorosamente, cruelmente, assustadoramente. Meu Deus...e agora? Pediu então, sem voz e sem esperança, para ser criança de colo. Prá ser bicho sem razão. Prá ser nuvem sem corpo. Prá ser qualquer coisa que não fosse gente. Absurdos, nenhum maior que o desespero daquele silêncio vorazmente interminável.
E, depois de uma eternidade presa nestes sessenta minutos, ela se rendeu a uma interferência externa ao seu mundo calado. Sentiu um toque quente e forte no ombro. Fechou os olhos e, antes mesmo de olhar prá trás, escutou a orquestra de businas da hora do ruch. "Pronto! Estou livre!", ela pensou. E, numa fração de segundos, se encantou com as cores e sabores dos sorvetes expostos na vitrine da loja logo a sua frente. Nem sequer olhou para trás, para ver de quem era aquela mão que pairou sob suas costas. Provavelmente era um pedido de desculpas por um esbarrão de corpos nos meio da multidão. A dúvida não coube naquela hora, foi maior descobrir que o que faltava era isso, um toque, vindo de onde for. Para calar o silêncio palavras não bastavam a ela, o calor de um toque sim.
Solidão. Ah pobre menina... até hoje não aprendeu a viver nesse mundo grande de meu Deus.
Ilustração de Caroline Hwang.