Thursday, June 01, 2006

Barulho calado

Em meio ao ronco estonteante dos carros e das vozes frenéticas de milhares de ambulantes que compõe a música cotidiana daquela rua, ela se prendia no silêncio de si mesma. Parecia que todos os sentidos tinham se escondido atrás dessa angústia que fazia ela perder toda a curiosidade pelo mundo do lado de fora. Não via as cores do dia, não cheirava o perfume das pessoas, não sentia o frio que ventava no rosto. Só o silêncio pairava.

Pensou em entrar em um cinema qualquer e ver o primeiro filme da programação, que fosse de terror, que ela nunca gostou, sentia medo. Mas a intenção era calar aquele barulho de nada dentro do peito, era viver uma outra estória que não fosse a dela, tão sem emoção, sem trilha sonora, sem mocinho. O bandido existia, e foi ele quem roubou o final feliz. Passou... nenhum filme , por pior que fosse, valeria a pena ser visto por uma espectadora tão sem olhos.
E ela andava, perambulava pelas ruas sem rumo e sem vontade. Queria parar. Parar o tempo, parar a cabeça, parar os homens, parar a fita da vida e retrocedê-la, para deletar aquele dia. Viu que não podia, não era Deus. Ele nunca passaria imune por um cego moribundo apoiado em sua vareta na calçada, esperando ajuda para atravessar a avenida. Ela o fez, e nem viu. Um café. Com quem? Para que? Ela nem gostava de café, só o cheiro valia a pena mas, nem isso naquele dia.
O caminho de casa estava cada vez mais distante, não importava. Mais do que geograficamente perdida, a menina chorona estava num labirinto interno. E o silêncio insistia dolorosamente, cruelmente, assustadoramente. Meu Deus...e agora? Pediu então, sem voz e sem esperança, para ser criança de colo. Prá ser bicho sem razão. Prá ser nuvem sem corpo. Prá ser qualquer coisa que não fosse gente. Absurdos, nenhum maior que o desespero daquele silêncio vorazmente interminável.
E, depois de uma eternidade presa nestes sessenta minutos, ela se rendeu a uma interferência externa ao seu mundo calado. Sentiu um toque quente e forte no ombro. Fechou os olhos e, antes mesmo de olhar prá trás, escutou a orquestra de businas da hora do ruch. "Pronto! Estou livre!", ela pensou. E, numa fração de segundos, se encantou com as cores e sabores dos sorvetes expostos na vitrine da loja logo a sua frente. Nem sequer olhou para trás, para ver de quem era aquela mão que pairou sob suas costas. Provavelmente era um pedido de desculpas por um esbarrão de corpos nos meio da multidão. A dúvida não coube naquela hora, foi maior descobrir que o que faltava era isso, um toque, vindo de onde for. Para calar o silêncio palavras não bastavam a ela, o calor de um toque sim.
Solidão. Ah pobre menina... até hoje não aprendeu a viver nesse mundo grande de meu Deus.
Ilustração de Caroline Hwang.

1 Comments:

Blogger Flor de Câmi said...

A solidão que por um tempo sentiu esta "pobre menina" passeia por aí! Visita vidas de outras meninas, de outros meninos, e brinca com cada um deles. Talvez para que percebam coisas que quando acompanhados não encontrem espaço para se manifestar! Tavez seja um suspiro da alma, querendo calar. Escutar o que dizem os "vazios" dentro da gente! E aí... quando a gente escuta, ela se vai logo, chega um toque, um colo, qualquer coisa que preencha. Até que a gente esqueça e se perceba sorrindo novamente! Contente!

6:55 pm  

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