Friday, February 03, 2006

Uma vida grande sem ter que ser "gente grande".

Quando eu for gente grande, eu quero ser só gente, o grande eu vou jogar no lixo. Dizem que dá muito trabalho, os adultos são sempre cheios de problemas, além do que, sempre ouço pelos cantos da casa "se eu te contar minha vida embaixo de um pé de amora você chora!". Tudo parece muito longe e inalcansável, nunca os braços são suficientemente grandes pra conquistar o que se deseja.
Aí eu penso que talvez eles, os que são gente grande, não são inteligentes o bastante pra pensar em coisas muito simples. Olha só: meu livro preferido está no alto da estante e eu quero muito lê-lo mas não consigo porque tenho 1.65m e a prateleira tem 2 metros. Mesmo assim não me atrevo a desistir da leitura. Se olhar um pouquinho para os lados, avisto um banquinho que pode me alçar, uma vassoura que pode ser a continuação imaginária dos meus braços ou posso arriscar pulos que empurrarão todos os ourtos abaixo, mas o que quero, há de estar no meio deles.
Parece idiota da minha parte, ou muito pretencioso, acreditar que tenho soluções para coisas que os que já acumulam um número muito maior de anos vividos do que eu ainda não se deram conta. Mas eu sigo com interrogações pulsantes na cabeça sobre as dificuldades de ser adulto. Eu acho mesmo é que não fui feita para a constância dessa vida.
Os homens estão sempre pre-ocupados com o trabalho que alguém um dia postulou que enobrece. Mergulhados em contratos, cotações, apólices, reuniões, projetos, papéis e mais papéis. A vida fora desse mundo é sempre afogada em um mar de reclamações porque, apesar de horas diárias de escritório, as contas do final do mês ainda estão de férias na gaveta da sala. É... férias, só delas mesmo, porque a desses pobres homens vão ficar pro ano que vem, que sempre vem, mas nunca chega! E a vida vai passando pela janela da empresa, e o gosto amargo do trabalho insatisfatório vai crescendo na boca, e os amigos vão sendo promovidos e eles se mantém firmes, guerreiros de uma batalha já perdida, porque lhes foi ensinado que o trabalho enobrece, mesmo que lhes custe uma vida vã.
E as suas mulheres? Esposas de um terno e uma gravata que chegam em casa sem nem mesmo sair do trabalho. É tanta dor de cabeça, tanto problema que não cabe na cama de casal. O jantar está na mesa, o banho preparado e todo amor que lhes foi prometido "até que a morte os separe" vem sendo assassinado a cada final do dia, porque hoje um negócio foi perdido e não há cabeça para isso. Mas algumas vezes, nem tão esporádicas assim, eles se deitam e fazem um carinho singelo típico de quem agradece por uma esposa tão dedicada. Isso, porque a mulher de carne, osso e peitos eles já encontraram numa cama redonda com espelhos no teto. E ela, sabendo disso, fecha os olhos e se cala num silêncio doído, engolindo a seco desenhos invejosos daquela figura que tem do seu marido mais que os restos diários de um homem de negócios . E mais um dia se perde no conformismo da vida dela, porque um dia alguém lhe disse que os homens são assim mesmo.
Aí surgem as reticências biológicas desse parêntese que é ser gente grande. Os filhos, os personagens mais sábios do livro que lemos diariamente desde que viemos ao mundo. Para eles, tudo não passa de uma brincadeira de criança, e não haveria de ser diferente. A tristeza da mamãe não é mais que uma dor de cabeça passageira e o mau humor do papai é só "um pouco de indisposição", seja lá o que isso for, não deve ser nada sério. Tudo é divertido e o maior problema que se tem é ter que ir para a escola e interromper o jogo com os amiguinhos da rua.
Daí eles vão crescendo e conquistando olhos mais perceptivos ao que se passa. Foi aí, nesse processo de adquirir lentes mais "profissionais" para fotografar a vida que eu optei pela simplicidade. Por saber de tudo isso que eu te contei, por ouvir tudo o que já ouvi, eu acredito que ser adulto não deve ser algo que me caiba. Talvez, daqui há uns bons anos, eu me veja exatamente com a vida que tanto renego. Tudo bem, também sempre ouço que "o futuro a Deus pertence"! Mas serei livre do peso de que tudo isso me foi imposto, terei em mim a certeza de que eu escolhi viver essa tal vida adulta cheia de nuvens. Mas, enquanto puder, vou seguindo em meus devaneios soltos e crendo piamente que eu não sei viver a intensidade amarga da vida adulta, e nem quero saber! Um dia eu te conto, se é mesmo preciso ser gente e grande ao mesmo tempo!

0 Comments:

Post a Comment

<< Home