Surpresa engavetada.
Ontem eu senti medo. Mais do que eu já tive do escuro. Porque foi medo de um escuridão interna, num lugar onde vi meus braços muito curtos para alcançar o interruptor. Um labirinto sem fim, onde meus pensamentos chegaram a ter pernas bambas e cansadas de tanto procurar a luz e um banquinho pra se sentar, pelo menos um pouco.
E a cada manifestação doída desse medo, mais e mais ele ganhava força porque, até então, eu acreditava na sua ausência absoluta. Mania de mulher maravilha... Foi como se algo tivesse me obrigado a revirar aquelas gavetas submersas no esquecimento e nelas econtrar algo muito menos leve que um simples devaneio. E eu reencontrei o medo. Do mundo lá fora, do meu aqui dentro, parecendo criança assustada com os monstros do armário, agora escondidos nas minhas gavetas.
Mas, o que mais me incomodou, na verdade, foi perceber que nunca estive totalmente imune à esse sentimento, só não mais me permitia saber da sua existência. Queria sempre escondê-lo debaixo de uma carta de amor, de uma revista velha, de um fotografia bonita. Mas ocultar não significa eliminar, e eu não entendia isso, até ontem.
E eu chorei lágrimas de criança medrosa, eu esmaguei a minha coragem, eu quebrei todas as minhas certezas, eu amarrotei as minhas esperanças. Catei meus pedaços no chão do quarto e tentei colá-los com palavras bonitas despejadas num papel, e que de nada adiantaram. Elas não existiam, nem mesmo pra amolecer meu soco, muito menos pra intimidar meu medo.
Era uma sensação estranha de pisar em chão de espinhos e ao mesmo tempo escorregar em sabão. E eu escolhi o sabão, sem nem mesmo saber se me foi dado o direito da escolha. Eu me entreguei ao sono que veio chegando pela ponta dos pés e tomando por inteiro meu corpo cansado de um dia medroso. Os olhos caíram pesados, a boca fechou seca, a cabeça deitou-se silenciosa e o peito aquietou-se ainda ofegante.
Ontem eu senti medo. Me despi da fantasia azul e vermelha da heroína que um dia prometi a mim mesma sempre ser. E hoje, quando eu acordei, ela estava pendurada na cadeira ao lado da minha cama, apenas uma fantasia. Eu abri a porta do armário e não encontrei os monstros, lavei o rosto cheio da noite passada, sentei-me na frente do espelho e me enxerguei diferente. Então abri a porta do dia e fechei aquela gaveta. Mas, antes de fechá-la, tirei os entulhos, passei pano limpo, reorganizei as fotos e ao lado das cartas de amor e das revistas deixei o medo. Agora eu já sabia onde ele estava, jamais doeria tanto reencontrá-lo numa noite escura de segunda-feira.
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